Apresentação



Em uma de suas instigantes obras, ao sentenciar que "não existem fatos, apenas interpretações"[1], Friedrich Nietzsche estimulou essenciais questionamentos a respeito do que é a “história” e se seria possível dissociar a verdade dos fatos da versão apresentada pelos historiadores.

A motivação essencial para a elaboração do presente estudo foi “despertada”, por assim dizer, a partir da essência contida na sentença nietzschiana e a inerente tendência de ler o passado com os olhos e as referências do presente. Daí a justificativa para se realizar o levantamento da cronologia dos principais e decisivos fatos políticos que culminaram na versão atualmente difundida em Goiás a respeito do “mito de Goiânia”. Consoante tal versão, a história de nosso Estado deve ser dividida em dois momentos distintos, conotativos de uma suposta “evolução” (na exata acepção do termo): “antes” e “depois” de Goiânia, relacionando-se, inexoravelmente, o “antes” com o atraso e o “depois” como a modernidade em todas as suas dimensões: social, econômica, política e democrática.

Diante da aludida justificativa, objetiva-se, com o presente trabalho, apresentar as vicissitudes e o processo de assunção e manutenção conjuntural da hegemonia política em Goiás por determinados grupos familiares ao longo do século XIX e início do século XX. Daí a designação da obra “Pelo sangue: a genealogia do poder em Goiás”.

Para a consecução de tal objetivo, deparei-me com a necessidade de enfrentar diversos questionamentos. O que se passou em Goiás antes da revolução de 1930? Quais eram os atores políticos de então? O que representava, de fato, a oligarquia Caiado para a política de Goiás? Por qual motivo é imputada a Totó Caiado a fama de grande mandatário de Goiás nos tempos de “escuridão”? E Leopoldo de Bulhões, quem foi e como se manteve na dianteira política por quase quarenta anos?

Observei que as respostas demandam um retorno ao início ao século XIX, mais precisamente nos primórdios da estruturação política em Goiás com o advento do período imperial. É nesse contexto que desponta a figura de José Rodrigues Jardim (1780-1842), o patriarca da primeira oligarquia goiana: a família Jardim, que, posteriormente, ramificou-se em clãs não menos importantes, dentre os quais destacam-se os “Bulhões Jardim” e os “Rodrigues Jardim”.

A partir de tal, várias etapas são analisadas: a ascensão política dos irmãos Bulhões Jardim (Augusto, Félix e José Leopoldo) e o movimento abolicionista e federalista, a estruturação do Centro Republicano, a atuação da tríade Caiado (Antônio José, Torquato e Totó), as intrigas intrapartidárias, a “Revolução de 1909”, o retorno de Eugênio Jardim a Goiás, a cisão no Partido Democrata, o papel oposicionista de Leopoldo de Bulhões, a “Revolução de 1930” e o advento de Pedro Ludovico.

Como curioso e neófito em matéria de pesquisa histórica científica, ressalto que este trabalho não foi formulado com o rigor próprio de uma produção acadêmica, característica que, por um lado, admite a possibilidade de o fragilizar, mas, por outro, confere-lhe liberdade, sem as eventuais amarras e formalismos metodológicos característicos de obras acadêmicas.

Para tanto, foi preciso traçar roteiros de pesquisa específicos, envolvendo a imbricada história genealógica e política dos ramos familiares de Goiás, destacando-se os clãs Jardim, Bulhões e Caiado.

Nesse intento, não é dado olvidar a imprescindível missão de estudar o papel de personalidades decisivas na história política goiana, como José Rodrigues Jardim, André Augusto de Pádua Fleury, Inácio Soares de Bulhões, Antônia Emília Rodrigues Jardim, Félix de Bulhões Jardim, Antônio José Caiado, João Bonifácio Gomes de Siqueira, Guimarães Natal, Braz Abrantes, José Leopoldo de Bulhões Jardim, Francisco Leopoldo Rodrigues Jardim, Eugênio Rodrigues Jardim, Antônio Ramos Caiado, Inácio Xavier de Brito, Luiz Gonzaga Jayme, Sebastião Fleury Curado, José Xavier de Almeida, Hermenegildo Lopes de Moraes e Pedro Ludovico Teixeira.

Para a realização de tal missão, além da consulta à bibliografia especializada, foi inestimável o auxílio do projeto “Hemeroteca Digital” desenvolvido pela Fundação Biblioteca Nacional. Empreendimento de relevo, o acervo possibilita a consulta a grande parte dos periódicos publicados no país desde o século XVII! E mais, permite a pesquisa nominal e seleção por datas ou jornais específicos. Contando com essa rica fonte, foi possível preencher lacunas, precisar datas, corrigir informações e levantar detalhes biográficos e políticos até então desconhecidos.

Diante do grande volume de dados e por entender que praticamente todo e qualquer detalhe é fundamental para o entendimento dos contextos históricos analisados, vale alertar a respeito do abuso feito na utilização de notas de rodapé explicativas. A opção por tal recurso se fez demasiada em razão da necessidade de apresentação de informações complementares sem prejuízo da fluidez e coerência lógica do texto principal.

Enfim, cremos que, por buscar enfrentar temas e episódios inóspitos e pouco visitados na historiografia goiana, a presente obra poderá, de alguma forma, contribuir para a deflagração de outras pesquisas e, assim, para uma melhor compreensão da formação histórica e política de nossa terra goiana.


Cidade de Goiás, março de 2015.


Victor Amorim
victorjamorim@yahoo.com.br


[1] VATTIMO, Gianno. Introdução a Nietzsche. Lisboa: Editorial Presença, 1990, p. 41.